Os distúrbios de sono são comuns
na infância em geral. Estudos indicam que 25% das crianças em diferentes faixas
etárias têm características que podem ser compatíveis com distúrbios de sono1.
Em crianças com TEA, esses números variam de
40-80%. 5
Os dados de prevalência têm uma
margem de variação grande, entre 40-80% de fato5. E os estudos
apontam que crianças com TEA com uma baixa
funcionalidade, tem uma propensão maior que crianças com TEA de alto
funcionamento a ter alterações de sono, por alterações no ciclo circadiano.6
Na prática clínica, observamos
que os índices são elevadíssimos, a regra são crianças com autismo com algum
tipo de comprometimento do sono.
Com relação às causas, muitos
estudos corroboram
a existência de associações entre TEA à desregulação circadiana, problemas de
comportamento, aumento dos níveis inflamatórios de citocinas, distúrbios do
sono, bem como respostas neuroendócrinas circadianas reduzidas. De fato, os
principais efeitos podem estar relacionados a um baixo ritmo de melatonina (pico atrasado nos níveis de
melatonina)
2,3,4. Observa-se um padrão imaturo de sono, com arquitetura não
compatível com a idade cronológica 2
Além disso, algumas situações
clínicas têm sido estudadas como possíveis causas de problemas de sono em crianças
com TEA: ferritina reduzida e aumento dos movimentos periódicos dos membros no
sono (síndrome das pernas inquietas)6. Convulsões e distúrbios
gastrointestinais (como diarréia) podem causar despertares frequentes, privação
de sono e interrupção no ciclo do sono, já os transtornos de ansiedade e TDAH,
exemplos de comorbidades psiquiátricas, tendem a aumentar a latência para
início do sono, ou seja, as crianças demoram para começar a dormir 6.
A relevância do tema se justifica
já que noites mal dormidas ou sonos de baixa qualidade durante o dia podem
resultar em perdas neurocomportamentais, prejuízo no desempenho, problemas no
rendimento escolar, decorrrentes de sonolência excessiva ao longo do dia, o que
favorece ou mesmo pioram a desatenção, alteração de humor com aumento da
irritabilidade o que pode aumentar ainda mais o prejuízo social e, em alguns
casos, até uma ruptura familiar. Não é incomum, pais relatarem conflitos por discordâncias
exatamente na hora de colocar o bebê para dormir e com a persistência ao longo
dos anos, e manutenção dos conflitos, culminar de fato com rupturas familiares.
E COMO TRATAR ESSES
DISTÚRBIOS DE SONO?
O tratamento
deve ser individualizado e nível
funcional de autismo (alto vs baixo funcionamento) deve ser levado em
consideração antes de determinar abordagens de tratamento 6. A
saber, crianças com TEA com baixo funcionamento tendem a ter mais alterações de
sono e se adequam menos a medidas como associação a higiene do sono e medidas
comportamentais.
Em primeiro lugar, devemos buscar uma causa identificável para essa insônia. Em alguns casos, o tratamento
será apenas o tratamento direto ou remoção da
causa da insônia, como por exemplo, quando a criança está tendo
crises epiléticas ou mesmo afecção gastrointestinal como diarréia.2
Em outras situações mais brandas,
bastam orientações a família sobre a necessidade de HIGIENE DO SONO, que nada mais são que
estabelecimento de uma rotina para o sono, que vai incluir três aspectos
fundamentais: ambiente, horário e atividades prévias ao sono. 2
O ambiente
do sono deve ser escuro ou
com pouca luminosidade, silencioso e com temperatura
adequada.
Os horários
de dormir e acordar devem ser
regulares. Os horários de sesta durante o dia devem ser adequados para a idade
e sempre regulares, evitando “soninhos” muito prolongados, quando a criança
sabidamente tem dificuldade para iniciar o sono.
As atividades
prévias ao sono devem ser
consistentes e repetidas para criar a sensação de que aquele momento é do sono,
por exemplo: dar um banho, jantar, escovar os dentes, colocar pijama, ligar uma
música calma ou contar uma história tranquila e envolvente. Algumas crianças,
gostam de levar um brinquedo ou um bichinho para a cama, isso não é um
problema.
Manter uma rotina diária ajuda a
criança de um ciclo circadiano de acordo com os hábitos da família.
Mas de nada adianta, a família
querer colocar a criança para dormir horas antes do que está acostumada, por
exemplo para poder dar conta de alguma atividade extra ou a família querer que
a criança durma em um horário em que a casa ainda está muito iluminada ou pouco
silenciosa, com vários membros familiares conversando, isso costuma não gerar
um ambiente favorável ao sono.
Para casos de crianças com TEA baixo funcionamento,
além da higiene de sono, somam-se obrigatoriamente medidas comportamentais, sendo que os
princípios básicos das intervenções comportamentais não diferem muito para
crianças e adolescentes com autismo, No entanto, a análise aplicada do
comportamento (ABA) e a educação baseada nos pais também mostraram melhora nos
distúrbios do sono em TEA.2
Após ter sido tentado ou
terem sido impossiveis as técnincas de higiene de sono e TCC, o que geralmente
ocorrem com crianças de baixo funcionamento. A associação medicação+
higiene + TCC tendem a ser mais eficazes e duradouras.2,6
Como pode ser visto, medicação jamais é primeira
escolha ou uma escolha isolada. A parceria com a família é fundamental.
Para termos uma idéia,
tanto o FDA (Food and Drug
Administration) quanto a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária)
não possuem nenhuma medicação aprovada para insônia em crianças, mesmo assim,
os índices de intervenção medicamentosa chegam a 50-75% das crianças com TEA e
disturbios de sono.6
Então vamos falar
especificamente das medicações mais amplamente usadas:
MELATONINA:
A melatonina é um dos agentes mais
comuns recomendados para o tratamento de dificuldades de sono e crianças com
TEA. A melatonina é um hormônio sintetizado principalmente na glândula pineal,
com uma função importante na regulação dos ritmos circadianos.
Está disponível em diferentes
formulações sem receita que variam 1-10 miligramas nos Estados Unidos e Canadá,
mas em alguns países, uma receita pode ser necessária. No Brasil, a
comercialização de melatonina foi autorizada por ordem judicial em 2017, porém
não está registrada na ANVISA como medicamento, daí só pode ser manipulada
mediante receita médica.
Mais comumente, uma dose de 1-3 mg é
recomendada para ser administrada 30-60 min antes da hora de dormir pretendida.
No entanto, se um problema de ritmo circadiano for identificado, uma dose mais
baixa (0,5-1 mg) administrada anteriormente (3-4 h antes de dormir) é
recomendada. Uma dose eficaz não está relacionada à idade ou peso. A melatonina
é geralmente tolerada bastante bem. A maioria dos estudos publicados até à data
não relataram quaisquer preocupações graves de segurança.
Apesar de largamente usada nos EUA,
como suplemento alimentar, sem necessidade de receita médica, a Academia Americana de Pediatria afirma: "A
melatonina parece ser eficaz na redução do tempo para dormir o início em
adultos (e, com base em dados consideravelmente menos, em crianças) para
insônia inicial. Este efeito parece durar dias a semanas, mas não a longo
prazo. Assim, a melatonina não é recomendada para uso a longo prazo"
Por outro lado, a Australian Sleep
Health Foundation afirma que a melatonina "pode beneficiar as
crianças que estão se desenvolvendo normalmente, bem como crianças com Transtorno
de Déficit de Atenção E Hiperatividade, autismo, outras deficiências de
desenvolvimento ou deficiência visual”.
Não foram encontradas referências no
site da ANVISA sobre o assunto nem mesmo junto a CONITEC (Comissão Nacional de
Intercorporação de Tecnologia).
ANTIPSICÓTICOS:
Antipsicóticos típicos, incluindo
haloperidol e periciazina (neuleptil®) estão associados a maior
incidência de efeitos colaterais extrapiramidais e sonolência diurna.
Antipsicóticos mais novos de segunda geração, incluindo olanzapina, risperidona
e quetiapina, têm uma menor propensão para efeitos colaterais extrapiramidais e
são geralmente menos sedativo. Existem dados limitados de eficácia e
tolerabilidade para o tratamento da insônia em crianças para esta aula de
medicação. Dos atípicos, risperidona e olanzapina foram prescritos para
distúrbios do sono em crianças. Estes agentes são prescritos off label
para o tratamento da insónia e não são recomendados ser prescritos
rotineiramente para esta indicação, e como primeira linha. Em particular, a
Academia Canadense de Psiquiatria da Criança e do Adolescente contra indicou
seu uso como agente de primeira linha para tratamento de insônia em crianças,
adultos ou idosos.
ANTIDEPRESSIVOS:
Existem dados limitados sobre o uso e
eficácia dos antidepressivos de sedação, inibidores seletivos de recaptação de
serotonina (ISRS) e antidepressivos tricíclicos, para tratamento de distúrbios
do sono em crianças com transtorno do espectro do autismo. Estes podem ser
benéficos se a insônia está associada com transtornos psiquiátricos comórbidos.
A maioria destes antidepressivos suprime o sono REM e resulta em sedação diurna
residual.
ANTICONVULSIVANTES:
Também os dados são limitados em
relação ao uso de anticonvulsivantes no tratamento da insônia neste grupo
populacional. A maioria dos ensaios examinaram irritabilidade e agressão e
relataram melhora nesses domínios
AGONISTA ALFA-ADRENÉRGICO
Comercializado no Brasil, com o nome
de Atensina® tem seu uso amplamente difundido tanto para insônia
quanto para agitação psicomotoras.
Poucos são os estudos, sendo dois
estudos retrospectivos abertos em crianças e adolescentes (com idades entre 4 e
16 anos) com autismo e distúrbios do neurodesenvolvimento documentaram que a
clonidina (faixa de dosagem: 0,05-0,225 mg/dia) melhorou efetivamente a
iniciação do sono e a insônia de manutenção com boa tolerabilidade e poucos
eventos adversos. Os efeitos colaterais potenciais da clonidina incluem
hipotensão, bradicardia, irritabilidade, boca seca e supressão rem, e sua
descontinuação abrupta pode causar hipertensão rebote e rebote REM, mas é
geralmente bem tolerada.
ANTI – HISTAMÍNICO:
Na pesquisa enviada aos pediatras (n
= 671) pela Academia Americana de Pediatria (AAP), os anti-histamínicos foram
encontrados para ser o medicamento sem receita médica mais comumente relatado
para distúrbios do sono. Apesar do uso generalizado de anti-histamínicos, os
ensaios clínicos em pacientes com transtorno do espectro do autismo têm sido
limitados
BENZODIAZEPÍNICOS:
Não há ensaios clínicos disponíveis
para esta categoria de medicamentos no autismo. Benzodiazepínicos (BZDs) são freqüentemente
prescritos em adultos com insônia. No entanto, eles são prescritos com menos
freqüência na população pediátrica por causa de seu perfil de efeitos
colaterais inclui sedação, dores de cabeça, tonturas, comprometimento
cognitivo, insônia rebote, e dependência física e comportamental. Houve somente
estudos limitados na pediatria, que mostraram a melhoria em desordens de sono
com uso de BZDs.
SUPLEMENTAÇÃO DE FERRO:
Ferritina do soro, um formulário do
armazenamento do ferro (nível abaixo de 50 ng/mL), foi associada com a síndrome
agitada dos pés (RLS) [64]. Em um estudo retrospectivo da revisão da carta de
crianças com desordem do espectro do autismo (n = 9791), os níveis
significativamente baixos do ferritin do sérico do soro foram identificados e
associados com diversas desordens de sono, incluindo movimentos periódicos do
membro do sono (27 ng/mL), fragmentações do sono (24 ng/mL), e eficiência pobre
do sono (7 ng/Ml
Os estados de deficiência de ferro
foram documentados na fisiopatologia da RLS e a gravidade dos estados de
deficiência de ferro foi correlacionada com a gravidade do RLS. O ferro
desempenha um papel importante na via de produção de dopamina; atua como um
cofator para uma taxa que limita a hidroxilase de enzima saciense no ciclo de produção
de dopamina. Em pacientes com RLS, foram observados baixos níveis de ferro
cefalorraquidiano e baixo ferro na substantia nigra em ressonância magnética. A
suplementação de ferro foi encontrada para ser eficaz no tratamento da baixa
ferritina com distúrbios do sono. O conselho consultivo médico da Fundação RLS
recomenda terapia de ferro para baixo nível de ferritina abaixo de 50 ng/mL. Um
ensaio aberto de suplemento de ferro oral (6 mg de ferro elementar/ kg/dia) por
8 semanas em crianças com autismo mostrou melhora na escala de distúrbios do
sono com um aumento no nível de ferritina sérica [65]. Os efeitos colaterais
potenciais do ferro oral incluem sabor metálico, vômitos, náuseas, constipação,
diarréia e fezes pretas/verdes.
Referências
bibliográficas:
1 - Distúrbios do sono em crianças merecem
atenção especial dos pais e pediatras, disponível em: https://www.sbp.com.br/imprensa/detalhe/nid/disturbios-do-sono-em-criancas-merecem-atencao-especial-dos-pais-e-pediatras/,
acesso em 15 dez 2019.
2 - Nunes ML, Cavalcante V. Avaliação clínica
e manejo da insônia em pacientes pediátricos. J Pediatr (Rio J).
2005;81:277-86.
3 - Pinato L1, Spilla CSG1, Markus RP2, da
Silveira Cruz-Machado S2. Desregulação dos ritmos circadianos nos transtornos
do espectro do autismo
4 – Mulas F, Rojas M, Gandía R. Sueño em los
transtornos del neurodesarrollo, déficit de atencion e hiperactividad y em el
espectro autista. Medicina (B Aires).
2019;79 Suppl 3:33-36.
5 - Keogh S, Bridle C, Siriwardena NA, Nadkarni A, Laparidou D, Durrant SJ, Kargas N, Law GR, Curtis F. Effectiveness of non-pharmacological interventions for insomnia in
children with Autism Spectrum Disorder: A systematic review and meta-analysis. PLoS
One. 2019 Aug 22;14(8)
6
- Sachin Relia 1, and
Vijayabharathi Ekambaram 2. Pharmacological Approach to Sleep Disturbances in
Autism Spectrum Disorders with Psychiatric Comorbidities: A Literature Review. Med.
Sci. 2018, 6, 95.