Na última semana sofremos com a morte de 71 pessoas em um acidente que nos fez repensar melhor sobre as nossas relações. Quem já viveu uma experiência de morte na família, principalmente quando de forma inesperada ou rápida demais, sabe que não é fácil entender a morte. Um dia a pessoa está ali a nossa disposição, na outra não podemos mais ligar e ouvir a voz! Se a morte nos causa um sentimento tão confuso, tão dolorido e as vezes até cheio de culpas, imaginem o que se passa na cabecinha das nossas crianças! Como assim morreu? Foi ali e já volta?
Até aos três anos a criança não consegue entender que a morte é definitiva e irreversível. Dos 4 aos 7 anos, já há compreensão do aspecto irreversível da morte. A criança entende que o vovô falecido não volta mais e o gato que morreu não estará mais na casa. Porém não faz distinção entre o valor entre uma perda humana ou de seus animais.
A partir dos sete anos, já começa a compreender o seu significado e a sentir o quão doloroso e angustiante é perder para sempre alguém que lhe é querido (família e/ou animal de estimação).
Os adultos sabem que o confronto da criança com a morte é inevitável. Por essa mesma razão, deverão prepará-la para essa perda com verdade e honestidade, procurando abordar o assunto com respostas claras e acessíveis às suas curiosidades e dúvidas. Quando uma criança é protegida desse impacto emocional e nenhum familiar clarifica esse assunto, será natural crescer num mundo de ilusão e terá, mais tarde, dificuldades em lidar com a perda e o luto.
Uma dica: evite falar que a pessoa dormiu para sempre ou descansou, que virou estrelinha. A criança leva tudo ao “pé da letra” e pode ficar com medo na hora de dormir ou achar que a pessoa que morreu acordará. A expressão “foi fazer uma longa viagem” ou “foi embora” também pode confundir a criança e levá-la a acreditar que todos aqueles que farão uma viagem nunca mais voltarão ou, então, que a pessoa morta poderá voltar um dia.
Não repreenda quando a criança “brincar de morto”, essa formulação lúdica, junto com as pequenas mortes do dia a dia, como a dos insetos, plantas e pequenos animais, são um bom treino para entender a sequência da vida e pode facilitar na hora de lidar com a morte de alguém próximo.
Informe que nunca mais veremos aqueles que morreram. Demonstre que, como ela, você também está sofrendo e sente saudades. Deixe que a criança fale sobre seus sentimentos e, acima de tudo, dê apoio e acolhimento. Garanta que ela nunca estará sozinha e sempre haverá alguém para cuidar dela. Isso porque o ente que se foi pode ser um dos pais ou o pequeno pode começar a pensar na mortalidade deles.
Não exclua as crianças das conversas, da tristeza. Ouça o que elas têm para falar ou peça para que desenhem o que estão sentindo, para conseguirem externarem sua dor. É natural que os pequenos apresentem mudanças de comportamento depois que recebem a notícia da morte de alguém com quem convivem. Além do choro e da raiva, alguns podem começar a ir mal na escola, ficam hiperativos/desatentos ou voltam a fazer xixi na cama.
Como acontece com os adultos, a memória afetiva nunca vai desaparecer. Mas, depois de certo tempo, acontece o chamado luto saudável, quando se percebe que é possível se lembrar do ente querido de forma leve e sem sofrimento.
São três pontos que as crianças precisam ir compreendendo com a sua ajuda:
A universalidade – tudo que é vivo um dia vai morrer.
A irreversibilidade - quando morre, não há volta.
A não funcionalidade – depois de morto, o ser não corre, não dorme, não pensa, não age.
As crianças personificam a morte. Imaginam que ela seja uma figura da qual podem escapar ou enganar. É preciso explicar que não é assim que funciona. Os livros podem nos ajudar a explicar a morte para as crianças. A leitura de histórias que abordem o tema pode, sem dúvida, constituir uma oportunidade para criar condições para que, num ambiente familiar, tranquilo e lúdico, crianças e adultos possam falar sobre a morte. Cria-se, assim, um espaço seguro e de partilha de afeto, em que as crianças expressam as suas dúvidas, anseios e preocupações. Os pais explicam, de forma simples e delicada, que a morte é um processo natural da vida (seres humanos, animais, plantas…), ajudando a criança no seu crescimento psicológico, nomeadamente no seu processo de perda e luto, através da clareza de ideias e do incentivo à expressão de sentimentos. Eu sugiro alguns livros que podem abordar o tema de forma mais leve:
O Pato, a Morte e a Tulipa (Wolf Erlbruch, Cosac Naify) Ainda hoje me emociono toda vez que leio este livro. Tem poesia, tem tristeza e tem beleza. E tem essa coisa que se chama morte e que nos acompanha desde que nascemos... Certo dia, o pato vê uma caveira andando atrás dele. É a morte. Ele já não ia bem, mas não queria morrer naquele momento. Ela, então, explica que sempre esteve por perto, para o caso de algum acidente, uma gripe forte ou algum improviso. Eles vão passar juntos as últimas semanas de vida do pato e travar diálogos maravilhosos, como este:
“Vai ser assim quando eu estiver morto”, pensou o pato. “O lago, sozinho. Sem mim.” Às vezes, a morte podia ler pensamentos. - Quando você estiver morto, o lago também não vai estar mais lá – pelo menos não para você.
É Assim (Paloma Valdivia, Edições SM) Há aqueles que chegam e aqueles que vão. Os que hoje chegaram, um dia também partirão. Pode ser o peixe da sopa de ontem, o gato do vizinho ou a tia Margarida. “Nós, que aqui estamos, choramos pelos que partem. É bonito lembrar. Nós, que aqui estamos, nos alegramos com aqueles que chegam. Damos a eles boas-vindas, gostamos de celebrar”. É dessa forma simples que a autora chilena explica o nasce-e-morre da vida. Gosto muito dessa simplicidade sem rodeios e sem mistérios, mostrando que tudo faz parte do ciclo da vida.
O Coração e a Garrafa (Oliver Jeffers, Salamandra) A menina era como todas as outras garotas curiosas de sua idade: gostava de olhar para as estrelas, para o mar e para tudo o que fosse novo. E perguntar. Um dia, a cadeira do homem mais velho que sempre estava com ela em suas descobertas apareceu vazia. Provavelmente era seu avô, que havia morrido. A menina, então, insegura com a perda, decidiu colocar seu coração dentro de uma garrafa, um lugar longe de qualquer perigo. Mas, com o tempo, ela deixou de ser curiosa e de prestar atenção em um monte de coisas. Até encontrar com uma criança que era curiosa como um dia ela já tinha sido. E vai precisar colocar seu coração no lugar. Essa narrativa poética mostra como podemos ficar tristes, e que isso leva um tempo, mas que o lugar do coração é mesmo batendo no peito.
Meu Filho Pato e Outros Contos sobre Aquilo de Que Ninguém Quer Falar, vários autores (Cia. das Letrinhas): seis histórias com acontecimentos da vida da criança que ajudam a crescer, como a chegada de um irmão e a perda de alguém muito querido.
Histórias da Cazumbinha, Meire Cazumbá e Marie Ange Bordas (Cia. das Letrinhas):a narrativa é baseada em fatos reais.
Não É Fácil, Pequeno Esquilo, Elisa Ramon (Callis): trata de sentimentos como saudade, após o esquilo do título ficar sem mãe.
A Velhinha Que Dava Nome às Coisas, Cynthia Rylant (Brinque Book): “dar nome” é um modo de nos aproximarmos das coisas, inclusive das mais doloridas.
O Dia em Que a Morte Quase Morreu, Sandra Branco (Salesiana): após uma briga, as personagens Vida e Morte permanecem ligadas para sempre.
Harvey como me tornei invisível, Herve Bouchard: As histórias deste livro, se passam numa primavera que mudou a vida da família Bouillon. Elas são contadas do ponto de vista do pequeno Harvey, um menino muito inteligente, imaginativo e apaixonado por corridas de sarjeta.
A preciosa pergunta da pata, Leen van den Berg: A pata acabara de perder seu filhote e ainda se sentia muito triste, então em uma reunião com os amigos bichos fez uma pergunta muito importante: - “ O que acontece quando morremos? ”. A sábia e gigante tartaruga, coordena a reunião com os outros animais para ajudá-la encontrar as respostas para essas e as outras perguntas difíceis.
Mas por quê??! A História de Elvis (Peter Schössow, Cosac Naify) – A menina esbraveja, precisa gritar ao mundo “Mar por quê??!”. Por onde passa, atrai curiosos para sua demonstração de indignação. Até que, finalmente, ela conta que Elvis está morto, mas não o cantor, seu passarinho. Os amigos, então, providenciam seu enterro e vivenciam com ela esse momento de luto e tristeza, mas também de boas lembranças. Uma leitura que mostra que todo luto merece ser vivido, esbravejado, mas que, no fim, o que fica são as boas memórias. Este livro me marcou muito, pois mostra para o leitor que, sim, ele pode extravasar toda a dor e que precisa passar por esse momento de tristeza, mas que tudo fica bem no final.
Menina Nina – Duas razões para não chorar, de Ziraldo, Melhoramentos
«Com uma enternecedora força poética, o autor sonda os mistérios da vida e da morte e, numa linguagem cuidada simples, consegue falar de dor de um modo delicado e cheio de esperança, é talvez o livro mais comovente de quantos Ziraldo já escreveu para crianças.»
O Meu Avô Foi Para o Céu, de Maria Teresa Maia Gonzalez, Editorial Presença
«Da conceituada escritora Maria Teresa Maia Gonzalez, autora de “A Lua de Joana”, chega-nos uma comovente história sobre a relação avós-netos, que ajuda os pequenos leitores a perceber como se consegue, no meio da tristeza e da dor, preservar a memória de um ente querido para sempre.»
Ponte para Terabithia, de Katherine Paterson, Dom Quixote
Livro recomendado pelo Plano Nacional de Leitura para o 5.º ano de escolaridade, destinado a leitura autônoma. «Esta é a história de uma amizade que muda as vidas da Leslie e do Jess, dois estudantes do quinto ano que acreditam que no coração do bosque existe num mundo de aventuras chamado “Terabithia”».
Para Onde Vamos Quando Desaparecemos? de Isabel Minhós Martins, ilustrações de Madalena Matoso, Planeta Tangerina
«Livro Recomendado pelo Plano Nacional de Leitura para o 4.º Ano de escolaridade. Leitura Orientada na Sala de Aula. À parte algumas exceções, ninguém consegue responder com certeza absoluta à pergunta que dá título a este livro. “Para Onde Vamos Quando Desaparecemos?” aproveita a ausência de respostas “preto no branco” para lançar novas hipóteses – mais coloridas e poéticas, mais sérias ou disparatadas, conforme o caso… – e assim iluminar um tema inevitavelmente sombrio.»
Para Onde Vamos Quando Desaparecemos? de Isabel Minhós Martins, ilustrações de Madalena Matoso, Planeta Tangerina
«Livro Recomendado pelo Plano Nacional de Leitura para o 4.º Ano de escolaridade. Leitura Orientada na Sala de Aula. À parte algumas exceções, ninguém consegue responder com certeza absoluta à pergunta que dá título a este livro. “Para Onde Vamos Quando Desaparecemos?” aproveita a ausência de respostas “preto no branco” para lançar novas hipóteses – mais coloridas e poéticas, mais sérias ou disparatadas, conforme o caso… – e assim iluminar um tema inevitavelmente sombrio.» Sete Minutos Depois da Meia-Noite, de Patrick Ness, Editorial Presença
«Passava pouco da meia-noite quando o monstro apareceu. Inspirado numa ideia original da escritora Siobhan Dowd, que morreu de cancro em 2007, Patrick Ness criou uma história de uma beleza tocante, que aborda verdades dolorosas com elegância e profundidade, sem nunca perder de vista a esperança no futuro. Fala-nos dos sentimentos de perda, medo e solidão e também da coragem e da compaixão necessárias para os ultrapassar. Fantasia e realidade misturam-se num livro de exceção, com ilustrações soberbas que complementam e expandem a beleza do texto». A intervenção pela arte, sobretudo pela leitura, torna-se um instrumento da psicologia, que ajuda a explicar a morte às crianças, falando-lhes da dor da perda de alguém que é querido e próximo, da saudade, das recordações e do luto.