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Autismo e o distúrbio do sono

Publicado em 07/04/2020


Os distúrbios de sono são comuns na infância em geral. Estudos indicam que 25% das crianças em diferentes faixas etárias têm características que podem ser compatíveis com distúrbios de sono1. Em crianças com TEA, esses números variam de 40-80%. 5

Os dados de prevalência têm uma margem de variação grande, entre 40-80% de fato5. E os estudos apontam que crianças com TEA com uma baixa funcionalidade, tem uma propensão maior que crianças com TEA de alto funcionamento a ter alterações de sono, por alterações no ciclo circadiano.6

Na prática clínica, observamos que os índices são elevadíssimos, a regra são crianças com autismo com algum tipo de comprometimento do sono.

Com relação às causas, muitos estudos corroboram a existência de associações entre TEA à desregulação circadiana, problemas de comportamento, aumento dos níveis inflamatórios de citocinas, distúrbios do sono, bem como respostas neuroendócrinas circadianas reduzidas. De fato, os principais efeitos podem estar relacionados a um baixo ritmo de melatonina (pico atrasado nos níveis de melatonina) 2,3,4. Observa-se um padrão imaturo de sono, com arquitetura não compatível com a idade cronológica 2

Além disso, algumas situações clínicas têm sido estudadas como possíveis causas de problemas de sono em crianças com TEA: ferritina reduzida e aumento dos movimentos periódicos dos membros no sono (síndrome das pernas inquietas)6. Convulsões e distúrbios gastrointestinais (como diarréia) podem causar despertares frequentes, privação de sono e interrupção no ciclo do sono, já os transtornos de ansiedade e TDAH, exemplos de comorbidades psiquiátricas, tendem a aumentar a latência para início do sono, ou seja, as crianças demoram para começar a dormir 6.

A relevância do tema se justifica já que noites mal dormidas ou sonos de baixa qualidade durante o dia podem resultar em perdas neurocomportamentais, prejuízo no desempenho, problemas no rendimento escolar, decorrrentes de sonolência excessiva ao longo do dia, o que favorece ou mesmo pioram a desatenção, alteração de humor com aumento da irritabilidade o que pode aumentar ainda mais o prejuízo social e, em alguns casos, até uma ruptura familiar. Não é incomum, pais relatarem conflitos por discordâncias exatamente na hora de colocar o bebê para dormir e com a persistência ao longo dos anos, e manutenção dos conflitos, culminar de fato com rupturas familiares.

 

 

E COMO TRATAR ESSES DISTÚRBIOS DE SONO?

O tratamento deve ser individualizado e nível funcional de autismo (alto vs baixo funcionamento) deve ser levado em consideração antes de determinar abordagens de tratamento 6. A saber, crianças com TEA com baixo funcionamento tendem a ter mais alterações de sono e se adequam menos a medidas como associação a higiene do sono e medidas comportamentais.

 

Em primeiro lugar, devemos buscar uma causa identificável para essa insônia. Em alguns casos, o tratamento será apenas o tratamento direto ou remoção da causa da insônia, como por exemplo, quando a criança está tendo crises epiléticas ou mesmo afecção gastrointestinal como diarréia.2

 

Em outras situações mais brandas, bastam orientações a família sobre a necessidade de HIGIENE DO SONO, que nada mais são que estabelecimento de uma rotina para o sono, que vai incluir três aspectos fundamentais: ambiente, horário e atividades prévias ao sono. 2

*    O ambiente do sono deve ser escuro ou com pouca luminosidade, silencioso e com temperatura adequada.

*    Os horários de dormir e acordar devem ser regulares. Os horários de sesta durante o dia devem ser adequados para a idade e sempre regulares, evitando “soninhos” muito prolongados, quando a criança sabidamente tem dificuldade para iniciar o sono.

*    As atividades prévias ao sono devem ser consistentes e repetidas para criar a sensação de que aquele momento é do sono, por exemplo: dar um banho, jantar, escovar os dentes, colocar pijama, ligar uma música calma ou contar uma história tranquila e envolvente. Algumas crianças, gostam de levar um brinquedo ou um bichinho para a cama, isso não é um problema.

Manter uma rotina diária ajuda a criança de um ciclo circadiano de acordo com os hábitos da família.

Mas de nada adianta, a família querer colocar a criança para dormir horas antes do que está acostumada, por exemplo para poder dar conta de alguma atividade extra ou a família querer que a criança durma em um horário em que a casa ainda está muito iluminada ou pouco silenciosa, com vários membros familiares conversando, isso costuma não gerar um ambiente favorável ao sono.

 

Para casos de crianças com TEA baixo funcionamento, além da higiene de sono, somam-se obrigatoriamente medidas comportamentais, sendo que os princípios básicos das intervenções comportamentais não diferem muito para crianças e adolescentes com autismo, No entanto, a análise aplicada do comportamento (ABA) e a educação baseada nos pais também mostraram melhora nos distúrbios do sono em TEA.2

Após ter sido tentado ou terem sido impossiveis as técnincas de higiene de sono e TCC, o que geralmente ocorrem com crianças de baixo funcionamento. A associação medicação+ higiene + TCC tendem a ser mais eficazes e duradouras.2,6

Como pode ser visto, medicação jamais é primeira escolha ou uma escolha isolada. A parceria com a família é fundamental.

 

Para termos uma idéia, tanto o FDA (Food  and Drug Administration) quanto a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) não possuem nenhuma medicação aprovada para insônia em crianças, mesmo assim, os índices de intervenção medicamentosa chegam a 50-75% das crianças com TEA e disturbios de sono.6

 

Então vamos falar especificamente das medicações mais amplamente usadas:

 

MELATONINA:

A melatonina é um dos agentes mais comuns recomendados para o tratamento de dificuldades de sono e crianças com TEA. A melatonina é um hormônio sintetizado principalmente na glândula pineal, com uma função importante na regulação dos ritmos circadianos.

Está disponível em diferentes formulações sem receita que variam 1-10 miligramas nos Estados Unidos e Canadá, mas em alguns países, uma receita pode ser necessária. No Brasil, a comercialização de melatonina foi autorizada por ordem judicial em 2017, porém não está registrada na ANVISA como medicamento, daí só pode ser manipulada mediante receita médica.

Mais comumente, uma dose de 1-3 mg é recomendada para ser administrada 30-60 min antes da hora de dormir pretendida. No entanto, se um problema de ritmo circadiano for identificado, uma dose mais baixa (0,5-1 mg) administrada anteriormente (3-4 h antes de dormir) é recomendada. Uma dose eficaz não está relacionada à idade ou peso. A melatonina é geralmente tolerada bastante bem. A maioria dos estudos publicados até à data não relataram quaisquer preocupações graves de segurança.

Apesar de largamente usada nos EUA, como suplemento alimentar, sem necessidade de receita médica, a  Academia Americana de Pediatria afirma: "A melatonina parece ser eficaz na redução do tempo para dormir o início em adultos (e, com base em dados consideravelmente menos, em crianças) para insônia inicial. Este efeito parece durar dias a semanas, mas não a longo prazo. Assim, a melatonina não é recomendada para uso a longo prazo"

 

Por outro lado, a Australian Sleep Health Foundation afirma que a melatonina "pode beneficiar as crianças que estão se desenvolvendo normalmente, bem como crianças com Transtorno de Déficit de Atenção E Hiperatividade, autismo, outras deficiências de desenvolvimento ou deficiência visual”.

 

Não foram encontradas referências no site da ANVISA sobre o assunto nem mesmo junto a CONITEC (Comissão Nacional de Intercorporação de Tecnologia).

 

ANTIPSICÓTICOS:

Antipsicóticos típicos, incluindo haloperidol e periciazina (neuleptil®) estão associados a maior incidência de efeitos colaterais extrapiramidais e sonolência diurna. Antipsicóticos mais novos de segunda geração, incluindo olanzapina, risperidona e quetiapina, têm uma menor propensão para efeitos colaterais extrapiramidais e são geralmente menos sedativo. Existem dados limitados de eficácia e tolerabilidade para o tratamento da insônia em crianças para esta aula de medicação. Dos atípicos, risperidona e olanzapina foram prescritos para distúrbios do sono em crianças. Estes agentes são prescritos off label para o tratamento da insónia e não são recomendados ser prescritos rotineiramente para esta indicação, e como primeira linha. Em particular, a Academia Canadense de Psiquiatria da Criança e do Adolescente contra indicou seu uso como agente de primeira linha para tratamento de insônia em crianças, adultos ou idosos.

 

ANTIDEPRESSIVOS:

Existem dados limitados sobre o uso e eficácia dos antidepressivos de sedação, inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS) e antidepressivos tricíclicos, para tratamento de distúrbios do sono em crianças com transtorno do espectro do autismo. Estes podem ser benéficos se a insônia está associada com transtornos psiquiátricos comórbidos. A maioria destes antidepressivos suprime o sono REM e resulta em sedação diurna residual.

 

ANTICONVULSIVANTES:

Também os dados são limitados em relação ao uso de anticonvulsivantes no tratamento da insônia neste grupo populacional. A maioria dos ensaios examinaram irritabilidade e agressão e relataram melhora nesses domínios

 

AGONISTA  ALFA-ADRENÉRGICO

Comercializado no Brasil, com o nome de Atensina® tem seu uso amplamente difundido tanto para insônia quanto para agitação psicomotoras.

Poucos são os estudos, sendo dois estudos retrospectivos abertos em crianças e adolescentes (com idades entre 4 e 16 anos) com autismo e distúrbios do neurodesenvolvimento documentaram que a clonidina (faixa de dosagem: 0,05-0,225 mg/dia) melhorou efetivamente a iniciação do sono e a insônia de manutenção com boa tolerabilidade e poucos eventos adversos. Os efeitos colaterais potenciais da clonidina incluem hipotensão, bradicardia, irritabilidade, boca seca e supressão rem, e sua descontinuação abrupta pode causar hipertensão rebote e rebote REM, mas é geralmente bem tolerada.

 

ANTI – HISTAMÍNICO:

Na pesquisa enviada aos pediatras (n = 671) pela Academia Americana de Pediatria (AAP), os anti-histamínicos foram encontrados para ser o medicamento sem receita médica mais comumente relatado para distúrbios do sono. Apesar do uso generalizado de anti-histamínicos, os ensaios clínicos em pacientes com transtorno do espectro do autismo têm sido limitados

 

BENZODIAZEPÍNICOS:

Não há ensaios clínicos disponíveis para esta categoria de medicamentos no autismo. Benzodiazepínicos (BZDs) são freqüentemente prescritos em adultos com insônia. No entanto, eles são prescritos com menos freqüência na população pediátrica por causa de seu perfil de efeitos colaterais inclui sedação, dores de cabeça, tonturas, comprometimento cognitivo, insônia rebote, e dependência física e comportamental. Houve somente estudos limitados na pediatria, que mostraram a melhoria em desordens de sono com uso de BZDs.

 

SUPLEMENTAÇÃO DE FERRO:

Ferritina do soro, um formulário do armazenamento do ferro (nível abaixo de 50 ng/mL), foi associada com a síndrome agitada dos pés (RLS) [64]. Em um estudo retrospectivo da revisão da carta de crianças com desordem do espectro do autismo (n = 9791), os níveis significativamente baixos do ferritin do sérico do soro foram identificados e associados com diversas desordens de sono, incluindo movimentos periódicos do membro do sono (27 ng/mL), fragmentações do sono (24 ng/mL), e eficiência pobre do sono (7 ng/Ml

Os estados de deficiência de ferro foram documentados na fisiopatologia da RLS e a gravidade dos estados de deficiência de ferro foi correlacionada com a gravidade do RLS. O ferro desempenha um papel importante na via de produção de dopamina; atua como um cofator para uma taxa que limita a hidroxilase de enzima saciense no ciclo de produção de dopamina. Em pacientes com RLS, foram observados baixos níveis de ferro cefalorraquidiano e baixo ferro na substantia nigra em ressonância magnética. A suplementação de ferro foi encontrada para ser eficaz no tratamento da baixa ferritina com distúrbios do sono. O conselho consultivo médico da Fundação RLS recomenda terapia de ferro para baixo nível de ferritina abaixo de 50 ng/mL. Um ensaio aberto de suplemento de ferro oral (6 mg de ferro elementar/ kg/dia) por 8 semanas em crianças com autismo mostrou melhora na escala de distúrbios do sono com um aumento no nível de ferritina sérica [65]. Os efeitos colaterais potenciais do ferro oral incluem sabor metálico, vômitos, náuseas, constipação, diarréia e fezes pretas/verdes.

 

Referências bibliográficas:

1 - Distúrbios do sono em crianças merecem atenção especial dos pais e pediatras, disponível em: https://www.sbp.com.br/imprensa/detalhe/nid/disturbios-do-sono-em-criancas-merecem-atencao-especial-dos-pais-e-pediatras/, acesso em 15 dez 2019.

2 - Nunes ML, Cavalcante V. Avaliação clínica e manejo da insônia em pacientes pediátricos. J Pediatr (Rio J). 2005;81:277-86.

3 - Pinato L1, Spilla CSG1, Markus RP2, da Silveira Cruz-Machado S2. Desregulação dos ritmos circadianos nos transtornos do espectro do autismo

4 – Mulas F, Rojas M, Gandía R. Sueño em los transtornos del neurodesarrollo, déficit de atencion e hiperactividad y em el espectro autista. Medicina (B Aires). 2019;79 Suppl 3:33-36.

5 - Keogh S, Bridle C, Siriwardena NA, Nadkarni A, Laparidou D, Durrant SJ, Kargas N, Law GR, Curtis F. Effectiveness of non-pharmacological interventions for insomnia in children with Autism Spectrum Disorder: A systematic review and meta-analysis. PLoS One. 2019 Aug 22;14(8)

­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­6 - Sachin Relia 1, and Vijayabharathi Ekambaram 2. Pharmacological Approach to Sleep Disturbances in Autism Spectrum Disorders with Psychiatric Comorbidities: A Literature Review. Med. Sci. 2018, 6, 95.

 


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Fonte: Referências bibliográficas: 1 - Distúrbios do sono em crianças merecem atenção especial dos pais e pediatras, disponível em: https://www.sbp.com.br/imprensa/detalhe/nid/disturbios-do-sono-em-criancas-merecem-atencao-especial-dos-pais-e-pediatras/, acesso em 15 dez 2019. 2 - Nunes ML, Cavalcante V. Avaliação clínica e manejo da insônia em pacientes pediátricos. J Pediatr (Rio J). 2005;81:277-86. 3 - Pinato L1, Spilla CSG1, Markus RP2, da Silveira Cruz-Machado S2. Desregulação dos ritmos circadianos nos transtornos do espectro do autismo 4 – Mulas F, Rojas M, Gandía R. Sueño em los transtornos del neurodesarrollo, déficit de atencion e hiperactividad y em el espectro autista. Medicina (B Aires). 2019;79 Suppl 3:33-36. 5 - Keogh S, Bridle C, Siriwardena NA, Nadkarni A, Laparidou D, Durrant SJ, Kargas N, Law GR, Curtis F. Effectiveness of non-pharmacological interventions for insomnia in children with Autism Spectrum Disorder: A systematic review and meta-analysis. PLoS One. 2019 Aug 22;14(8) ¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬6 - Sachin Relia 1, and Vijayabharathi Ekambaram 2. Pharmacological Approach to Sleep Disturbances in Autism Spectrum Disorders with Psychiatric Comorbidities: A Literature Review. Med. Sci. 2018, 6, 95.

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